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A SURPREENDENTE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR NO CASO BOLSONARO

Por Walter Arnaud Mascarenhas Junior*

RESUMO: O artigo retrata alguns episódios marcantes da trajetória polêmica de Jair Messias Bolsonaro ao longo de sua carreira militar no exército brasileiro. Trata-se de uma compilação de dados extraídos de uma única obra: “O cadete e o capitão”, de Luiz Maklouf Carvalho, a partir da qual foi possível conhecer como as reminiscências de um pensamento autoritário foi capaz de produzir uma decisão inusitada no Superior Tribunal Militar até hoje de difícil compreensão.

 

Muito se comenta a respeito desse julgamento, mas a bem da verdade, mesmo entre os militares essa história parece mal contada.

A começar por que Bolsonaro nunca foi um modelo de conduta no Exército, salvo como atleta que realmente se destacou no pentatlo militar, modalidade esportiva que escolhera e que, de fato, lhe rendera boa conceituação, inclusive em assentamentos.

De resto, sua carreira foi mais marcada por mal-entendidos ou transgressões de comportamento do que por algo que pudesse caracterizá-lo como merecedor de muito respeito ou admiração.

Sua primeira aparição no âmbito militar, responsável por fixa-lo de vez no subconsciente coletivo se deu por conta de um artigo que ele publicou na revista Veja na coluna “Ponto de Vista” em setembro de 1986, cujo título foi “O salário está baixo”.

Nesse artigo, o então capitão reclamava por melhores condições salariais para a classe militar, pois o país passava por um momento de indefinição já que José Sarney, recém empossado presidente – após morte de Tancredo Neves – vivia um ano de expectativa em torno do primeiro mandato presidencial da era democrática, após 21 anos de ditadura militar.

O plano cruzado tinha acabado de ser implantado e com ele o congelamento de preços fez o povo brasileiro sentir na pele o peso da inflação que chegou a alcançar um índice superior a 250% ao ano.

O capitão, corajoso como sempre, não titubeou ao afirmar que o desligamento de cadetes da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) noticiado na época, não ocorrera pelas denúncias de “consumo de drogas”, “homossexualismo” ou “falta de vocação para a carreira militar”, mas sim pelas precárias condições de subsistência, pois o dispêndio com muito esforço físico e carga horaria elevada nos serviços militares não podiam ficar circunscritos somente ao patriotismo, pois isso não enchia barriga de ninguém.

A tiragem da revista Veja encontrou, como de costume, excelente acolhida no público em geral, salvo pelo alto comando do Exército que entendeu aquilo como uma transgressão militar de Bolsonaro por: 

ter elaborado e feito publicar em revista semanal, de tiragem nacional, sem conhecimento e autorização de seus superiores, artigo em que tece comentário sobre a política de remuneração do pessoal civil e militar da União: ter abordado aspectos da política econômico-financeira do governo fora de sua esfera de atribuições e sem possuir  um nível  de conhecimento global que lhe facultasse  a correta análise; ter sido indiscreto na abordagem do assuntos de caráter oficial comprometendo a disciplina; ter censurado a política governamental; ter ferido a ética gerando clima de inquietação no âmbito da OM, da GU e da força; e por ter contribuído para prejudicar o excelente conceito da tropa Paraquedista no âmbito do Exército e da nação”. 

Em consequência, Bolsonaro foi incurso em seis artigos do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) que previa prisão de 15 dias, ele então ficou durante todo o período no Quartel do 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista (GAC) em Deodoro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, mas a partir daí tornou-se popular entre colegas de farda e familiares de militares que passaram a lhe endereçar cartas narrando suas mazelas e creditando a ele a esperança por dias melhores.

Um ano após, porém, Bolsonaro voltava a chamar atenção, desta feita por conta do episódio denominado “Operação Beco sem Saída” que outra vez mereceu destaque nas manchetes de jornais e da mesma revista Veja.

Agora a notícia era textualmente “bombástica” porquanto a edição de número 999, datada de 28 de outubro de 1987 foi intitulada assim: “Pôr bomba nos quartéis, um plano na EsAO”.

A notícia girava em torno de um suposto plano de atentado à bomba a unidades da Vila Militar, na Aman e no interior do Estado do Rio de Janeiro, em quartéis do Exército, o que seria feito em protesto contra o governo federal que indicava querer dar um aumento irrisório para os militares, o que se confirmado, mediante reajuste inferior a 60% do vindicado, desencadearia a explosão de tais bombas. 

Sendo certo que essas bombas seriam detonadas em locais estratégicos que não oferecessem perigo a pessoas, pois a ideia era só desestabilizar o ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, tido como incompetente para reivindicar melhorias para a categoria militar. 

Ocorre que após compartilhado o plano com uma jornalista da Revista Veja já conhecida de Bolsonaro, Cassia Maria Rodrigues com quem vinha mantendo contado desde a matéria “O salário está baixo”, o acordo de cavalheiros de “não publicar” ou “manter sigilo” foi quebrado frente a possibilidade de algo dar errado e provocar uma tragédia, o que acabava por tornar o segredo algo perigoso e espúrio.

Com a publicação da matéria, rapidamente o Alto Comando do Exército promoveu a convocação de Bolsonaro para se explicar, o que fez negando inteiramente o fato e devolvendo a revista o ônus de demonstrar a veracidade do que publicara.

Diante disso, em pronunciamento oficial – para surpresa geral – o próprio ministro Leônidas Pires Gonçalves que a pouco tempo havia sido chamado de “incompetente” e “racista” por Bolsonaro pôs panos quentes no assunto, dizendo que se seus oficiais (Bolsonaro e Fábio Passos) haviam peremptoriamente negado a denúncia da revista como constava de seus termos de declaração, não seria ele, como autoridade máxima da instituição “Exército” que iria lhes negar credibilidade.

Mas, a revista Veja reagiu de forma contundente, ironizando a postura do ministro e apresentando um fac-símile com croquis atribuídos a Bolsonaro, onde continha a indicação de como as bombas seriam detonadas ao longo de um trecho da tubulação da adutora do Guandu, abastecedora de água da cidade do RJ, cujo desenho trouxe a sensação da necessidade de se fazer perícia para certificar a autoria dos manuscritos.

Daí em diante a situação tomou um rumo sem volta, pois o Comando Militar do Exército sabia que Bolsonaro continuaria dando trabalho já que ele passou a ser o paradigma de “destemor” para Suboficiais, Sargentos e Praças que depositavam nele a pessoa certa para reivindicar por melhorias para toda comunidade militar.

Uma Sindicância na EsAO constatou a necessidade de submetê-lo a um Conselho de Justificação, procedimento que visa apurar se o militar de carreira possui capacidade para permanecer no corpo da Ativa ou não, ocasião em que lhe é facultada a oportunidade de se justificar perante seus superiores hierárquicos. 

Sendo assim, Bolsonaro foi incurso no art. 2º, item I, alíneas ‘b’ e ‘c’ da Lei 5.836/1971 por ter incorrido em “conduta irregular” e ter praticado “ato que afeta a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe”. 

Na sequência, o Conselho de Justificação foi formado pelo coronel de cavalaria Marcus Bechara Couto (presidente do Conselho), o tenente-coronel de infantaria Nilton Correa Lampert (interrogante e relator) e outro tenente-coronel de infantaria, Carlos José do Canto Barros (escrivão).

O processo foi deflagrado tendo por finalidade maior apurar a conduta de Bolsonaro no ano anterior (1986) quando publicou artigo na revista Veja, sem pedir autorização militar e a suposta declaração dada a repórter da revista Veja noticiando a existência de um plano que visava explodir bombas-relógio em unidades militares para desestabilizar o Comando da força. Ambas condutas “comprometedoras da disciplina e da ética militar”. 

O Conselho tomou os depoimentos pertinentes e requereu a direção da revista Veja a juntada dos croquis originais atribuídos a Bolsonaro, o que foi feito, a fim de ser submetido a perícia grafotécnica.

Durante a instrução processual, a repórter Cassia relatou ter sido ameaçada por Bolsonaro que através de um vidro que os separavam de um recinto para outro, teria ele simulado com as mãos, a forma de um revólver apontando para ela, o que foi interpretado como ameaça de morte.

A denúncia logo chegou ao conhecimento da imprensa que não perdeu tempo em publicar: “Ato de força – Capitão ameaça repórter que o denunciou”, este foi o título da matéria da revista Veja, 6ª edição da época.

Bolsonaro negou veementemente o fato e inclusive requereu uma perícia para demonstrar que através do tal vidro não era possível ela visualizar a suposta encenação e após algumas ponderações, de lado a lado, o Conselho entendeu não configurada ameaça alguma e deu prosseguimento aos trabalhos.

Também foi lembrada a “ficha de informações” de Bolsonaro, tendo merecido destaque um fato acontecido ainda em 1983, quando o coronel Carlos Alberto Pellegrino assim o tinha avaliado: “deu mostras de imaturidade ao ser atraído por empreendimento de garimpo de ouro. Necessita ser colocado em funções que exijam esforço e dedicação, a fim de reorientar sua carreira. Deu demonstrações de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”.

O mesmo coronel Pellegrino, após arguido pelo coronel Bechara Couto acerca da apreciação negativa que fizera sobre o Justificante e se teria algo mais a acrescentar, disse que o comportamento do então tenente, no segundo semestre de 1983 era: “reflexo de sua imaturidade e a exteriorização de ambições pessoais, baseadas em irrealidades, aspirações distanciadas do alcance daqueles que pretendem progredir na carreira pelo trabalho e dedicação”.

Disse ainda que o Justificante apresentava bom desempenho em funções administrativas e na preparação de exercícios, mas: “Nas rotinas de trabalho cotidiano, no exercício permanente das funções de instrutor, formador de soldados, e de comandantes, faltavam-lhe a iniciativa e a criatividade”.

E, por fim, encerrou sua inquirição dizendo que Bolsonaro:

tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.

A defesa técnica do Justificante, nessa época representada pelo Dr. Onir de Carvalho Peres do Escritório O. C. Peres & Advogados contestou todos as alegações levantadas, tendo lembrado que o Justificante já havia sido punido com prisão de 15 dias em relação a publicação do artigo na revista Veja e que nova sanção implicaria in bis in idem, pois a aplicação de duas punições por um fato único não é permitida em Direito.

No tocante a suposta atração do Justificante pelas riquezas do garimpo, pontuou que isso não significava necessariamente imaturidade ou ambição, mas desejo de avançar a progredir e que, ademais, como estava de férias, Bolsonaro podia dispor de seu tempo como bem quisesse, até porque, como não houve “prática de comércio”, não poderia ser aplicado o Estatuto dos Militares em desfavor dele.

Bolsonaro ainda ponderou que não processou a revista Veja porque foi instaurada uma sindicância militar, a qual depois de concluída, caberia ao próprio Exército se manifestar, não, ele.

Afinal, “A lei militar não obriga ao militar ofendido o recurso ao judiciário”, tendo sua Defesa enfatizado: “A vida funcional do Justificante diz de sua idoneidade, valor militar, seus méritos e correta formação de caráter”.

Já sobre a “Operação Beco sem Saída”, o Justificante negou veementemente tudo, notadamente a autoria dos croquis.

Após coleta da prova oral, a controvérsia maior acabou por repousar sobre os malfadados croquis, tendo a situação ficado assim delineada: Uma primeira perícia grafotécnica foi feita, porém, por não contar com todos os documentos originais, restou inconclusiva. Sendo assim, uma segunda teve de ser realizada e foi feita pela mesma Seção de Investigações Criminais do Exército.

Os peritos da segunda perícia entenderam que apesar de encontrarem semelhanças entre alguns caracteres gráficos dos croquis e dos manuscritos examinados, isso não implicava em “responsabilidade gráfica”. Ou seja, mantiveram o mesmo entendimento da primeira, “inconclusiva”.

Inconformado com a indefinição, o presidente do Conselho, coronel Bechara Couto, no dia 04 de janeiro de 1988, determinou a realização de outra perícia (a terceira) que seria feita pela Polícia Federal e após colhido novo padrão gráfico dos punhos de Bolsonaro, o material foi remetido aos peritos, um do Instituto Nacional de Criminalística e outro da própria Polícia Federal.

O laudo foi concluído em menos de dez dias e atestou o seguinte:

SIM, não restam dúvidas ao ser afirmado que os manuscritos no doc. I (os croquis, ou esboços), questionado, promanaram do punho gráfico do capitão Jair Messias Bolsonaro, fornecedor do material gráfico padrão já identificado no corpo do presente laudo. Tal afirmativa é oriunda das coincidências e características encontradas no confronto efetuado, entre os documentos examinados, que permitiram a determinação de autoria. ” 

Ocorre que em razão da segunda perícia realizada pelo Exército não ter contado com o mesmo padrão gráfico, recém colhido dos punhos de Bolsonaro que serviu a Polícia Federal, se entendeu necessário proceder a uma “complementação” daquela perícia feita pela polícia técnica do Exército.

Portanto, os mesmos peritos que atuaram na segunda perícia do Exército (Newton Prado Veras Filho e Horácio Nelson Mendonça) e que haviam concluído – a menos de um mês – pela impossibilidade de atribuir a autoria dos croquis e manuscritos a Bolsonaro, foram novamente instados a se manifestarem. Desta feita, o laudo foi taxativo:

ante a comparação gráfica realizada entre os padrões gráficos coletados e a peça motivo (croquis), são os peritos acordes em que os caracteres gráficos lançados nos croquis e nas peças padrão, promanaram de um mesmo punho gráfico”.

Conclusão: o segundo laudo elaborado pelo Exército, após complementação dos mesmos peritos, teve seu resultado alterado de: inconclusivo para afirmativo, no sentido atestar que os croquis e demais manuscritos realmente profanaram dos punhos de Bolsonaro.

Diante desse quadro, o Conselho de Justificação em sessão secreta datada de 25 de janeiro de 1988, por unanimidade considerou o capitão Jair Messias Bolsonaro, “não justificado”, culpado!

No mérito constou: “Este Conselho não tem dúvidas em afirmar que o Justificante era informante da repórter Cassia Maria pelo menos desde o mês de outubro de 1987”. Os laudos expedidos pelo 1º BPE e pela Polícia Federal:

“atestam não restar duvidas ao ser afirmado que os manuscritos contidos nessa folha original promanaram do punho gráfico do capitão Jair Messias Bolsonaro.” “O resultado do laudo pericial evidencia ter sido o Justificante o autor dos croquis publicados na edição de nº 1000 da revista Veja e, por isso, ter mentido ao longo de todo o processo, o que permite seja firmada a convicção, por este Conselho que a versão apresentada pela repórter Cassia Maria, pela coerência e testemunhos apresentados, seja a mais aproximada da realidade, o que confirma a ocorrência da reunião, no dia 21 de outubro, na residência do capitão Fábio e, por conseguinte, os fatos geradores da reportagem, conforme foram apresentados.”

A decisão acima foi encaminhada ao ministro do Exército que manifestou sua inteira concordância e na forma da alínea “a”, inciso “V”, do art. 13 da Lei 5.836/1972, isto é, por haver considerado que o capitão Bolsonaro procedeu incorretamente no desempenho do cargo, remeteu os autos ao Superior Tribunal Militar.

No STM, porém, aconteceu uma grande, surpreendente e inusitada reviravolta. 

Pois bem, quinze ministros compuseram o tribunal pleno e treze compareceram à sessão de julgamento, sendo cinco civis (togados) e oito militares, da reserva.

Os civis: Dr. Ruy de Lima Pessoa, Dr. Antônio Carlos de Seixas Telles, Dr. Paulo César Cataldo, Dr. Aldo Fagundes e Dr. José Luiz Clerot, todos oriundos da advocacia e os militares: tenente-brigadeiro Antônio Geraldo Peixoto, almirante de esquadra Roberto Andersen Cavalcanti, general Sergio de Ary Pires, almirante Rafael de Azevedo Branco, general Almir Benjamin Chaloub, tenente-brigadeiro George Bellham da Motta, general Haroldo Erichsen da Fonseca e almirante de esquadra Luiz Leal Ferreira.

De todo avolumado foi acrescentado ao processo, as denominadas “folhas de alterações” onde constava a exclusão de Bolsonaro da EsAO para responder ao Conselho de Justificação e seu histórico durante o segundo semestre de 1987, neste, constando conceito excelente para todas provas físicas e para um teste de tiro, assim como, a informação de que concluíra o curso da EsAO com conceito “bom” e nota final 7,68, terminando aquele ano letivo na 28ª posição de uma turma de 49 alunos.

Bolsonaro reclamou a corte do STM, o fato de ter sido impedido de receber seu diploma na cerimônia oficial de conclusão de curso e de participar da colação de grau, assim como manifestou indignação contra um Editorial do Exército que tinha por título “A verdade: Um símbolo da honra militar” onde fazia referência a ele a Fabio Passos afirmando que ambos: “faltaram com a verdade e macularam a dignidade militar” sendo que ao final, constava: “Se assim forem julgados pelo STM” ao que ele considerou tratar-se de um verdadeiro “pré-julgamento” expresso de forma dura e ofensiva contra si.

Contestou ponto a ponto de todo o libelo-acusatório, repetindo de um modo geral o que já havia dito quando do primeiro Conselho de Justificação. 

Todavia, o que verdadeiramente fez toda diferença, nesse julgamento, foi por incrível que pareça a sua “autodefesa, onde curiosamente promoveu uma releitura de toda prova pericial e, ao final, parece que acabou confundindo a corte.

A começar se apresentou ‘sem advogado’, em que pese durante toda a fase anterior tenha sido assistido até por mais de um escritório de advocacia, porém logo de início fez constar na folha 2 de seu arrazoado: “Eis-me, pois, diante do STM, para defender a minha honra injustamente vilipendiada. Apresento-me, nesta oportunidade, desacompanhado de advogado, que, além de oneroso para minhas condições financeiras, entendo desnecessário comprovar-me juridicamente honrado. Sou, de fato, honrado, por todos atos que pratiquei, como soldado e cidadão. Para enuncia-los, ninguém melhor do que eu próprio”.

E assim, na sequência, deu início a tese mais curiosa de que se podia imaginar. Ao longo das 26 páginas de sua “defesa escrita”, desenvolveu o seguinte raciocínio: Que teriam sido produzidas quatro perícias, em vez de três. 1. Uma feita pelo Exército (inconclusiva), 2. Uma segunda, novamente pelo Exército, também inconclusiva, 3. Uma terceira pela polícia federal atestando sua autoria aos croquis e 4. Uma quarta retificando o resultado do segundo laudo para também reconhecer sua autoria.

Dito isso destacou: “Da análise cronológica dos autos, vemos os dois primeiros, ambos fornecidos pela polícia do Exército que deixam de apontar sobre punhos gráficos” e na sequência, Bolsonaro arremata:

Curiosamente, o quarto laudo, o último na ordem cronológica, fornecido pela Polícia do Exército, assinado pelos mesmos peritos do segundo laudo e um perito do primeiro (Newton Prado Veras Filho) é desfavorável ao justificante, usando inclusive a mesma terminologia da Polícia Federal, ‘PROMANARAM’ de um mesmo punho gráfico. A mentira que se quer forjar sobre este justificante desmorona-se nas perícias contraditórias, ora mencionadas”.

Ou seja, Bolsonaro transformou o que constituía uma “complementação” ao segundo laudo em um quarto laudo autônomo, de modo que em vez de 2 X 0 (dois laudos atestando sua autoria sobre os croquis versus um inconclusivo que nada revela), ele concebeu 2 X 2 (dois laudos atestando sua autoria versus dois contrários a ele).

Melhor explicando, o capitão que de ‘bobo’ não tem nada, desenvolveu uma tese interessante, de aparência tola em uma verdadeira ‘armadilha’, mudou o sentido da expressão “inconclusivo” que quer dizer: ‘ilógico’ ou ‘o que não demonstra nem prova nada’ em algo a favor dele para assim chegar a um surpreendente ‘empate’.

Nessa perspectiva, Bolsonaro dá a entender que o quarto laudo (na verdade, segundo complementado) seria contraditório aos dois primeiros, o que não é verdade, visto que o segundo só foi considerado inconclusivo no início, pois depois, após ele fornecer novos padrões gráficos, passou a ser “conclusivo”, no sentido de apontar que os croquis partiram de seus punhos.  

Foi o que ele quis dizer quando asseverou:

Tais exames, pelas contradições que encerram, nada servem como matéria de prova. Ademais, é profundamente suspeito o quarto laudo, cujos peritos repetem os termos do último laudo da Polícia federal e desmentem os pareceres de ambos no primeiro e segundo laudos. Não é demais repetir que os croquis examinados nada tem a ver com o fantasioso “Plano Terrorista”. 

Na sequência o Ministério Público Militar apresentou parecer escrito onde desprezou a primeira perícia por inconclusiva e tampouco considerou a segunda antes de ser complementada já que ela acabou sendo superada.

Em síntese sustentou que:

o Justificante não conseguiu se justificar”, “os autos retratam conduta que, inquestionavelmente, o coloca na inconfortável posição de incompatibilidade para o oficialato”, pois “o plano codinominado Beco sem Saída objetivando explodir bombas em unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras em Recife, no interior do Rio de Janeiro e em vários quarteis, sob protesto de chamar a atenção para os baixos  vencimentos dos militares, se verídico, ou quixotesco, foi realmente descrito pelo justificante à então repórter da revista Veja, Cássia Maria”.

Ao fim, o Ministério Público Militar recomendou ao Egrégio Colegiado Castrense “considerasse o capitão Jair Messias Bolsonaro culpado, declarando a sua incompatibilidade com o oficialato e consequente perda do posto e da patente, tudo nos termos do art. 16, inciso I, da lei 5.836/72. ” 

Embora Bolsonaro houvesse dito encontrar-se sem advogado, a Dra. Elizabeth Diniz Martins Souto se apresentou ao plenário da corte no dia 16 de junho de 1988 como sua patrona e, nessa condição, fez sustentação oral por aproximadamente 32 minutos.

Em sua explanação, ela citou algumas contradições da revista Veja, reclamou do tratamento dispensado a Bolsonaro no dia de sua formatura na EsAO quando foi impedido de permanecer no recinto e no que tange a prova técnica, fez referência a dois laudos como “inconclusivos” e disse que a última perícia do Exército mudou o resultado de um desses dois, insinuando que foi elaborado um “laudo encomendado” já que o último praticamente repetia as mesmas palavras do laudo da PF, desfavorável ao seu cliente.

Encerrou, pedindo ao Superior Tribunal Militar que considerasse o capitão Bolsonaro “justificado e não culpado” “porque não restou provado o libelo acusatório”.

Os ministros julgadores então começaram a proferir seus votos. Todos eles abordaram Bolsonaro por distintos critérios, perspectivas e cada qual com a sua ‘visão de mundo’ sopesou os fatos dando maior relevo a um ou outro fator, porém, aqui nos limitaremos a lembrar os ‘pontos de vista’ que foram mais recorrentes ou que mereceram maior destaque.

O ministro-relator Sergio Ary Pires foi o primeiro a votar e concluiu sua explanação dizendo: “(…) considerando as profundas contradições existentes nos quatro exames grafotécnicos constantes dos autos, dos quais dois não apontam a autoria dos croquis, enquanto outros dois atribuem-na ao justificante (…) este Tribunal não encontrou, nos autos, elementos de convicção bastantes para imputar ao Justificante, sem sombra de dúvidas a autoria dos citados croquis. IN DUBIO PRO REO”.

O ministro-relator, portanto, votou em favor de Bolsonaro (1 X 0).

O ministro-revisor, Aldo da Silva Fagundes começou fazendo um breve “registro de caráter psicológico” do Justificante, o qual desenvolveu a partir de três indagações que fez e ele mesmo sugeriu resposta. 

Seria ele um insano? Há certas infantilidades, certas atitudes que surpreendem, mas é muito difícil concluir pela insanidade mental deste homem”. “Seria um homem radical, interessado em subverter a ordem pública, um terrorista, enfim?” Contraria tudo que é lógica, tudo que é uma análise sensata”. E, continuou: “Eu sempre ouvi dizer que o general Newton Cruz é um homem de direita, um homem radical – e este capitão (Bolsonaro) tem pelo general uma enorme admiração. Mas este relacionamento, até fraterno, será suficiente para dizer que este jovem é um terrorista, comprometido com o tumulto da vida institucional do país? Não tenho como chegar a esta conclusão”.

Para o ministro-revisor, todo o acontecido “marcou o comportamento de Bolsonaro” e, “por um momento até alterou sua normalidade psíquica, fazendo-o pensar que era o verdadeiro líder do Exército brasileiro”, mas “foi um episódio, vai ser superado pelo tempo, e ele pode perfeitamente continuar sendo um oficial útil para o Exército brasileiro, porque é um homem honrado, um homem digno, não há nenhuma acusação moral grave a respeito da conduta dele”. 

O ministro-revisor seguiu o voto do relator a favor de Bolsonaro (2 X 0).

O ministro Haroldo Erichsen da Fonseca foi o primeiro a abrir divergência, para ele: “Não cabe ao capitão, na ponta da linha, tomar para si os problemas do alto escalão”, “os dois capitães (Fabio Passos e Bolsonaro) estavam querendo quebrar a hierarquia do Exército”, afirmou!

Quanto a prova técnica disse que da análise dos “três laudos grafotécnicos”, principalmente o da polícia federal, o “órgão de maior capacidade” restou claro “que o croqui promanou do nosso capitão Bolsonaro”, tendo por fim salientado: “O plano ‘Sem Saída’ não era para ser executado. Uma idiotice, um engodo, só jogou o problema” e finalizou: “Bolsonaro quer se projetar ainda mais como líder do Exército e o líder do Exército é o ministro. Não pode se contrapor ao ministro. Está quebrada a hierarquia nesse sentido”.

O ministro Haroldo Erichsen da Fonseca assim votou contra Bolsonaro (2 X 1).

O ministro José Luiz Clerot começou lembrando o padre Antônio Vieira “Quem julga com o entendimento, pode julgar bem, e pode julgar mal, quem julga com a vontade, nunca pode julgar bem. Nunca julguei com paixão.” Disse isso para cravar que se recusava supor que a revista Veja fosse se prestar, irresponsavelmente a publicar uma matéria desse jaez.

Sobre a questão técnica, a principal da discussão, disse: “Ainda que se queira impugnar os laudos existentes não se pode negar que há pelo menos um fumus boni Iuri, ou fumaça do bom direito para afirmar que as letras e aqueles croquis são do punho de Bolsonaro” (…) “não quero lançar suspeitas sobre os laudos feitos pela área militar – porque há um certo espirt de corps que deve ter funcionado, – mas não funcionou na Polícia Federal.”

E com o propósito de contrapor o relator que aplicou o princípio in dubio pro reo a favor de Bolsonaro, lembrou do art. 326 do CPPM que estabelece que o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte para ao final dizer:

Ele pode até abandoná-los, mas antes de abandoná-los tem primeiro que se render às evidencias, sob pena de não estar atento à prova dos autos. Se existem laudos discordantes, e vem um terceiro do Instituto de criminalística, mais especializado, afirmando ou dissipando as dúvidas existentes, não há por que não se acatar este terceiro e último laudo. Essa é a realidade.”

Já caminhando para conclusão, este ministro acrescentou:

O problema da disciplina nas Forças Armadas, principalmente nessa faixa de capitão está tão ruim quanto em 1964” (…) “Está gravíssimo” (…) “São atraídos como cordeiros por esses dois loucos (Bolsonaro e Fábio Passos)” (…) “Nos últimos decênios é o fato mais grave, de repercussão negativa maior, de maior conteúdo antiético, de maior conteúdo violador das normas, da disciplina e da hierarquia que já se passou por esse país no âmbito das Forças Armadas. Nunca, nem antes de 1964, se me falha a memória, um capitão teve coragem de afrontar um chefe militar como se afrontou”.

Com tal manifestação, evidentemente o ministro José Luiz Clerot votou contra Bolsonaro (2 X 2).

ministro George Belham da Motta, diferentemente dos demais não se debruçou circunstanciadamente sobre os fatos, fez considerações superficiais e genéricas sobre todo o apanhado, destacando que Bolsonaro errou ao publicar o artigo “O Salário está baixo”, mas ao traçar um paralelo com o ministro Leônidas Pires Gonçalves a quem antes fizera uma piada dizendo que umas das virtudes dele foi unir o Exército, mas “contra ele próprio”, disse que o ministro do Exército errou pior e o fez quando ratificou o parecer final do Conselho de Justificação, avalizando a declaração de uma repórter da revista Veja.  

Para este ministro, a revista Veja “não vale o que come” e entre um e outro caso contado na sessão, sintetizou o que pensava, dizendo: “Essa revista visa dar furo de reportagem e jogar uns contra os outros. Essa revista não é digna de respeito” e dessa forma deixou clara sua posição.

O ministro George Belham da Motta votou a favor de Bolsonaro (3 X 2).  

O ministro Roberto Andersen Cavalcanti, no mesmo diapasão do voto de seu antecessor, após se dizer estarrecido e muto preocupado com o que estava acontecendo, disse que: “depois da apologia feita pelo ministro Clerot quanto à integridade absoluta das informações da revista Veja, de que seus reportes são verdadeiros vestais da verdade” só lhe restaria dizer: “Deus salve o Brasil” e desse modo, sem adentrar na questão dos croquis e/ou dos manuscritos atribuídos a Bolsonaro, mas seguindo a mesma linha de aversão a revista Veja deixou também evidente seu voto.

O ministro Roberto Andersen Cavalcanti votou a favor de Bolsonaro (4 X 2).

O ministro Rafael de Azevedo Branco começou reconhecendo que por quatro ou cinco vezes tendeu ir para um lado e depois voltou, cujo movimento pendular se deu porque sempre esteve preocupado em achar a “verdadeira verdade” já que havia indícios contra ambas as partes e quanto ao laudo grafotécnico disse: “É fraco, porque pegou apenas um ou outro caractere”. Enfim, mostrou-se inseguro e na dúvida preferiu manter cautela.

O ministro Rafael de Azevedo Cavalcanti votou a favor de Bolsonaro (5 X 2).

Veio, então, o ministro Antônio Carlos de Seixas Telles, ex-escrevente juramentado e juiz militar de carreira, procurou se ater mais as perícias, porém estranhamente não disse nada sobre o “laudo de complementação” da polícia federal que modificou o segundo laudo do Exército, mas foi contundente em criticar o laudo do Instituto de Criminalística por não ter identificado as “coincidências” entre o padrão gráfico e os croquis, o que seria elementar. Sendo assim, declarou “a perícia não me convenceu” e empregando o contido no art. 326 do CTM que dispõe não estar o julgador adstrito ao laudo, entendeu que os laudos não lhe davam condições suficientes para convencê-lo da prática de que se pretendia comprovar.

O ministro Antônio Carlos de Seixas Telles votou a favor de Bolsonaro (6 X 2).

O ministro Alzir Benjamin Chaloub fez questão de exaltar o voto do ministro relator ao qual considerou “brilhantíssimo” e nessa toada, fez alusões genéricas a “acusações não comprovadas”, “justificativas mal alicerçadas” e não poupou críticas a repórter da Veja, afirmando ter ela mentido muito e, ao final, não demonstrou o menor pudor ao dizer que:

repórter não é flor que se cheire” e que “Ele (Bolsonaro) tinha contatos com a criatura que é pouco recomendável, essa é que é a verdade e perigosa, uma coisa de você criar uma cascavel dentro de casa. Você dominá-la, controla-la e tudo, mas está arriscado a qualquer momento te dar um bote” e nesse tom concluiu o voto.

O ministro Alzir Benjamin Chaloub, é claro, votou a favor de Bolsonaro (7 X 2).

O ministro Paulo Cesar Cataldo foi objetivo:

não temos nenhuma prova quanto ao fato principal”. “Temos o laudo da polícia federal, ainda assim é indício”. “O fato de ser do punho dele não quer dizer necessariamente que tenha sido feito naquele apartamento (do capitão Fábio Passos) afirmou”. Fez referências a “indícios e contraindícios” e terminou fazendo uma previsão: “este rapaz vai se sair muito mal no Exército”, mas como havia “um mínimo de dúvida” não podia votar contra.

O ministro Paulo Cesar Cataldo assim votou a favor de Bolsonaro (8 X 2).

Outros três ministros, cujo teor dos votos não se tem conhecimento, mas só o resultado foram: Rui de Lima Pessoa que votou a favor de Bolsonaro (9 X 2) e de Luiz Leal Ferreira e Antônio Geraldo Peixoto (presidente da sessão) que votaram contra (9 x 4).

Com o resultado proclamado, o Acordão foi lavrado com a seguinte redação:

Capitão do Exército acusado de conduta irregular e prática de atos atentatórios à honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe. Carência de prova testemunhal a confirmar as acusações. Contradições em quatro exames grafotécnicos compromete o valor da prova pericial, impondo a rejeição dos mesmos à luz do art. 325 do CPPM. Rejeitadas as nulidades arguidas pela defesa por intempestividade e por inobservância de formalidade de seu exclusivo interesse. Improcedentes as acusações, inclusive as de infringência de preceitos da ética e do dever militar, declara-se o oficial ‘NÃO CULPADO’. Decisão por maioria.”

A revista Veja publicou o resultado do julgamento, com a seguinte chamada: “Palavra final – STM absolve capitães da Beco sem Saída” e segundo o autor do livro: “O cadete e o capitão – A vida de Jair Bolsonaro no quartel” (ed. todavia), de onde foram tiradas todas as informações deste artigo, a revista Veja ainda errou quando comentando a decisão se referiu somente ao “laudo inconclusivo” do Exército e ao “outro da Polícia Federal”, o que para ele, Luiz Maklouf Carvalho (o autor do livro) indicava certo desconhecimento dos fatos, talvez, provocado pelo excesso de prudência em procurar fazer uma “cobertura à distância para não parecer que estava fazendo campanha contra o capitão Bolsonaro”.

Conta a lenda que o capitão não ficou muito à vontade com a “vitória”, não! Amigos o teriam alertado que o ministro do Exército quando soube do resultado ficou “furioso” e que Bolsonaro já se sentindo perseguido por ter ficado na “geladeira” e “sem serviço” desde a fase de sindicância quando foi transferido da Vila Militar para trabalhar no QG do Palácio Duque de Caxias, temendo uma represália maior do alto comando, preferiu largar o Exército para tentar a sorte na política.

Outro boato diz que uma decisão o expulsando do Exército poderia ocasionar uma espécie de “insurreição” por parte de praças, sargentos e suboficiais, daí porque o STM teria preferido não o condenar desde que o capitão se afastasse da corporação de uma vez por todas.

De qualquer forma, esse julgamento deixa algumas incógnitas e a maior delas, sem dúvida é a levantada por Maklouf e diz respeito a aberração hermenêutica referente a interpretação dada as perícias.

É claro que a “quarta perícia” na cronologia das vezes que se precisou da intervenção de peritos, a rigor, não era uma perícia propriamente dita (autônoma), ela não passava de uma complementação à segunda que quando foi feita não havia contado com o mesmo padrão gráfico que serviu ao corpo técnico da polícia federal, daí a necessidade de complementação.

Nesse caso, se foi uma complementação é lógico que o primeiro resultado da segunda perícia, tido por “inconclusivo” foi alterado para “afirmativo”, afirmativo para os dois quesitos do laudo pericial que visava saber se: 1. O padrão gráfico contido no documento nº 1 é bastante capaz de permitir a comparação com a grafia de outros documentos, manuscritos do próprio punho do Cap. Art. Jair Messias Bolsonaro e se 2. O tipo de grafia, talhe e letra, inclinações e variantes, coincidem com o mesmo punho

Ora é claro que só a primeira perícia foi inconclusiva, pois a segunda e a terceira foram induvidosas em atestar a autoria dos croquis e dos manuscritos a Bolsonaro.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: como acreditar que o Superior Tribunal Militar tenha sido leviano ao ponto de cair na armadilha do capitão Bolsonaro, primeiramente por considerar a complementação à perícia como uma quarta independente e, depois, por emprestar a expressão “inconclusiva”, um raciocínio que contrasta com a própria etimologia da palavra, pois o que é inconclusivo não pode levar a conclusão alguma, mas no julgamento levou a ideia de algo a favor do réu? 

Sim, porque se inconclusivo fosse mesmo inconclusivo, duas assertivas inconclusivas não chegariam a somar nada, mas para empatar com as duas perícias indicativas de culpa, elas assumiram a conotação de benéficas ao réu para daí abrigar o princípio in dubio pro reo da forma mais inusitada de que se tem notícia.

Não se pode aplicar este princípio em situações heterogêneas, se a hipótese fosse de se decidir sobre vários laudos, todos inconclusivos, o princípio poderia ser aplicado tranquilamente, assim como também seria o caso se, por exemplo, houvessem dois laudos antagônicos entre si, um afirmando não haver dúvida de que os desenhos resultaram de determinado punho contra outro atestando não haver dúvida que não resultaram do mesmo punho.

Porém, a hipótese não comportava dúvida razoável alguma e por isso, o princípio in dubio pro reo foi aplicado de forma flagrantemente tendenciosa.

E nem se cogita de imputar má-fé a Bolsonaro porque o réu pode se calar e pode inclusive mentir, tudo isso faz parte do lastro da autodefesa, o que se questiona é como uma corte superior de justiça comprou uma tese dessa.

Diz a lei que o juiz não está adstrito ao laudo, é verdade, ele pode desprezá-lo no todo ou em parte, mas tal não significa que possa fazer isso por mero capricho, sem fundamentar ou apontar uma razão plausível para negar-lhe credibilidade, pois se assim o fizer, estará julgando contra a evidência dos autos.

Foi o que aconteceu, não se observa dos votos proferidos, nenhuma fundamentação razoável para deixar de adotar as evidências extraídas do conjunto probatório, produzido pelas perícias que apontavam para certificação de autoria ao capitão Bolsonaro, como bem ressaltara o ministro José Luiz Clerot, único que julgou “sem paixão” e com olhos totalmente voltados para o processo, sem tergiversar.

Poder-se-ia até dizer que os laudos embora capazes de apontar que os croquis foram feitos por Bolsonaro, não teriam o condão de demonstrar que foram confeccionados no dia da reunião realizada na casa do capitão Fabio Passos e que por isso, não seriam capazes de sozinhos indicar que faziam parte do plano terrorista, tese até levantada por alguns ministros, mas que não foi a vencedora.

O fato é que não houve “contradições nos quatro exames” de modo a “comprometer o valor da prova pericial” conforme lamentavelmente acabou constando do Acórdão, isso é uma inverdade! Simplesmente porque só houve três exames grafotécnicos, um inconclusivo que poderia ser até desprezado (o primeiro) por que foi feito sobre cópias xerográficas e dois assertivos da autoria de Bolsonaro (um realizado pela polícia técnica do Exército e outro pela Polícia Federal) 

Outra situação surpreendente, quase inacreditável, não fosse o farto material coletado por Maklouf que inclui documentos e áudios extraídos do processo é que os julgadores não podiam julgar o caso movidos só por suas impressões pessoais acerca da revista Veja e/ou da repórter, como efetivamente fizeram.

Há trechos onde os ministros externam – sem o menor constrangimento – suas antipatias, tanto em relação a revista, como em relação a pessoa da repórter, Cassia Maria Rodrigues que, embora não fizessem parte do processo como réus, foram condenados como tais. Um absurdo que bem retrata como aquelas “sessões secretas” do STM podia formar convicção sobre pessoas ou situações, sem se aterem as provas do processo, verdadeira reminiscência do período ditatorial de triste lembrança.

E, assim, conforme consignara a revista Veja em sua memorável edição nº 1033 de 22 de junho de 1988: “A sentença judicial do STM encerra o caso que a partir de agora passa a fazer parte da história da corte, da história de Veja e da biografia do capitão, bem como de seu prontuário”.

Esperamos que a história desse julgamento sirva também de paradigma para demonstrar que sem um verdadeiro Estado Democrático de Direito onde não haja espaço para “sessões secretas”, nem desrespeito aos direitos e garantias individuais é impossível se realizar o ideal de JUSTIÇA!

Rio, 27 de abril de 2021.

Mini currículo:

Advogado criminalista, mestre em Ciências Criminais e Criminologia pela UCAM-RJ,

 Diplomado pela Escola Superior de Guerra no CAEPE – Curso de Altos Estudos e Política Estratégica, 

Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – Comissão de Direito Penal

www.arnaudadvocacia.com.br

walterarnaud@uol.com.br

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